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Peabiru-PR
Palavra do padre
23/02/2017

Reflexão ao 8º Domingo do Tempo Comum

Reflexão ao 8º Domingo do Tempo Comum

“Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo” (Mt. 6, 36).

 

 

Olhando as leituras que liturgia deste 8º Domingo do Tempo Comum nos apresenta, particularmente, me vem à memória a frase de um livro que li durante o ensino médio nas aulas de filosofia, “O pequeno príncipe”, obra do escritor, ilustrador e aviador francês Antoine de Saint-Exupéry, publicada em 1943, nos Estados Unidos (Literatura muito conhecida por muitos de nós...). Nesta obra, narra-se as idas e vindas de um “garoto extraterrestre”, do Planeta B-612, em nosso mundo, no Planeta Terra. Em resumo, este garoto sai de seu planeta por sentir-se só, ou quase só pois nele havia uma rosa, com que se ocupava todos os dias no seu cuidado: molhava, aparava os baobás que cresciam entorno e poderiam s ufoca-la ao ponto de a matar... ele conversava com ela e ela com ele. Vindo ao nosso planeta, ele viaja e conhece muitas realidades, no entanto ainda se sente só, algo lhe falta; é ai que, conversando com uma raposa esta lhe diz: “... o essencial é invisível aos olhos, só se vê bem com o coração...” O essencial para o pequeno príncipe era seu planeta, seus afazeres, sua rosa que deixou. O principezinho não estava olhando com o coração o lhe era essencial, por isso ainda sentia o vazio em seu coração.

 

Queridos filhos e filhas, a busca pelo o essencial é a expressão que pode resumir nossa liturgia de hoje: busca pelo essencial quando nos falta esperança e busca pelo essencial em meio “às coisas” que o mundo nos propõe. A liturgia deste 8º Domingo do Tempo Comum propõe-nos uma reflexão sobre as nossas prioridades, sobre aquilo que deve ser essencial em nossas buscas. Recomenda que dirijamos o nosso olhar para o que é verdadeiramente importante e que libertemos o nosso coração da tirania dos bens materiais. De resto, o cristão não vive obcecado com os bens mais primários, pois tem absoluta confiança nesse Deus que cuida dos seus filhos com a solicitude de um pai e o amor gratuito e incondicional de uma mãe.  

 

A primeira leitura é tirada do livro do profeta Isaias, no capítulo 49 que é, também, conhecido como “Deutero-Isaias”, isto é, esta parte do livro do profeta Isaias mostra-nos um profeta que exerce a sua missão entre os exilados judeus na Babilónia, na fase final do Exílio (por volta de 550/540 a.C.); a sua missão consiste em consolar um povo decepcionado e desiludido, porque a libertação tarda. Os capítulos que recolhem a sua mensagem (Is 40-55) chamam-se, por isso, “Livro da Consolação”. Recordando que o livro do profeta Isaias é um extenso livro que nos narra parte da história do “povo de Deus” antes do exílio, durante o exílio e após o exílio. O Exílio na Babilónia representa uma experiência bem dramática, que abala a fé e as convicções mais profundas do Povo de Deus. O drama nem reside tanto na derrota e no exílio em si; mas reside, sobretudo, no desmoronamento de todas as certezas e de todas as convicções em que o Povo se apoiava. Porque é que Deus permitiu a derrota e o exílio? Jahwéh abandonou o seu Povo? O Senhor rompeu a aliança que fizera com Israel? Ainda mais: Jerusalém, a cidade do Templo e, portanto, o lugar da residência de Deus no meio do seu Povo, foi reduzida a um montão de ruínas. Pode, ainda, confiar-se em Jahwéh? Porque é que Ele não protegeu nem salvou a sua morada? Ele não tinha feito uma aliança eterna com o seu Povo? A aliança continua válida, ou Deus abandonou para sempre o seu Povo?

 

A parte que lemos hoje nos mostra a situação de falta de esperança do povo durante o exílio. Assim, a missão do profeta é recordar ao povo que o Senhor Javé nunca se esquece de seus filhos e, assim, provê seus filhos do que é essencial para a vida. O profeta Isaias mostra-nos um rosto de Deus providente Pai|mãe: “... Poderá a mulher esquecer a criança que amamenta e não ter compaixão do filho das suas entranhas? Mas ainda que ela se esqueça, Eu não te esquecerei”. Por isso fala em tons de esperança ao povo de Deus. Assim como a mãe amamenta seu filho, lhe dá aquilo que é essencial pra vida, assim também o Senhor nosso Deus; assim como a mãe não se esquece de seu filho, muito mais ainda o Senhor nosso Deus. Esta leitura, para nós hoje, quer ser um convite a nos abandonarmos em Deus, a termos confiança n’Ele, a não procurarmos em “outros bens” o nosso Verdadeiro Bem: Deus! Por mais que pareça não haver esperança, Ele é nossa esperança, o Essencial de nossas vidas. 

 

O evangelho, que hoje nos é proposto, começa com um “dito” de Jesus (vers. 24):  “Ninguém pode servir a dois senhores; pois, ou odiará um e amará o outro, ou será fiel a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. Este dito, em rigor, faz parte da seção anterior (cf. Mt 6,19-24: é aí que aparecem os “ditos” ou “sentenças” de Jesus que advertem os discípulos para o uso das riquezas). Depois, na sequência, Mateus apresenta uma “instrução” (vers. 25-34), na qual se procura definir (a partir das lições das “sentenças” anteriores) a atitude vital e o caminho do cristão. Jesus apresenta-nos uma incompatibilidade entre o amor a Deus e ao dinheiro. Qual a razão dessa incompatibilidade?

 

Em primeiro lugar, Deus deve ser o centro à volta do qual o homem constrói a sua existência, o valor supremo do homem, o Essencial… Mas, sempre que a lógica do “ter” domina o coração, o dinheiro ocupa o lugar de Deus e passa a ser o ídolo a quem o homem tudo sacrifica: sacrifica o bem valioso de passar algumas horas a mais com a família, os filhos porque se tem que trabalhar, fazer horas extras e, quando se chega em casa os filhos já estão dormindo... O verdadeiro Deus, que se revela na união e harmonia da família, então, passa a ocupar um lugar secundário na vida do homem; e o dinheiro – ídolo exigente, ciumento, exclusivo, que não deixa espaço para qualquer outro valor – é promovido à categoria de motor da história e de referência fundamental para o homem. Falta o olhar com o coração aqui... sendo o coração a sede dos sentimentos: onde ficou o amor a Deus que se revela nas relações familiares sadias e harmônicas? Lembremos, só se vê com o coração!

 

Em segundo lugar, o amor ao dinheiro fecha totalmente o coração do homem num egoísmo estéril e não deixa qualquer espaço para o amor aos irmãos. O homem deixa de ter lugar, na sua vida, para aqueles que o rodeiam; e, por amor do dinheiro, torna-se injusto, prepotente, corrupto, explorador, auto-suficiente… Vejamos, aqui, a grande crise moral e de valores que vivemos no Brasil, cuja expressão se vê no aspecto político e econômico da vida: fala-se em “lava-a-jato”, caça aos corruptos e “desviadores” do dinheiro público porque o amor ao dinheiro, mais uma vez, fechou os olhos humanos para o Essencial, Deus e os irmãos.

 

Contudo, o que nos é proposto por Jesus é que realmente nos ocupemos com o essencial: “Procurai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo” (Mt. 6, 36). Esta busca, entretanto, garante-nos, igualmente, que escolher o essencial não é negligenciar o resto: o nosso Deus é um pai cheio de solicitude pelos seus filhos, que provê com amor às suas necessidades. Falta o olhar com o coração aqui... sendo o coração a sede dos sentimentos: onde ficou o amor a Deus que se revela na justiça e no bem comum? Lembremos, só se vê com o coração!   

 

Pe. Adailton Luduvico, CSF – vigário paroquial



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