Av. São João Nº 136
Peabiru-PR
Palavra do padre
17/03/2017

Reflexão ao terceiro domingo da Quaresma

Reflexão ao terceiro domingo da Quaresma

 

“...aquele que beber da água que Eu lhe der
nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der tornar-se-á nele uma nascente
que jorra para a vida eterna”
(Jo 4, 14)

 

Queridos filhos e filhas, continuamos a percorrer o caminho que a Igreja nos propõe rumo à pascoa do Senhor, o caminho da quaresma. Sabemos que os passos desta caminhada se fazem sobre a senda da conversão e que o destino é a nossa mudança de vida, nossa salvação na ressurreição do Senhor. Hoje, terceiro domingo da quaresma, a liturgia nos convida a voltarmos o olhar e nossa oração para a origem de nossa vida, para o nosso nascimento como cristãos e cristãs: o nosso batismo, a água que nos lavou e que fez brotar em nós uma fonte que jorra para a vida eterna – nossa vida no Senhor Jesus, aquele que nos dá de beber da água que sacia a nossa sede.

 

Assim, vale sempre lembrar que a quaresma, estes quarenta dias, é tempo de preparação para a celebração da Páscoa; da páscoa de Cristo e dos cristãos ou, melhor dizendo, da páscoa dos cristãos vivida na Páscoa de Cristo. A Liturgia quaresmal, as homilias, a catequese, a formação permanente dos cristãos, enfim, toda a ação pastoral, tudo deve se encaminhar para o Tríduo Pascal da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor Jesus. Os cristãos são convidados a tomar, com Cristo, o caminho do deserto, o caminho rumo a Jerusalém, como o povo de Israel, rumo à Terra Prometida. É um caminho de êxodo (saída), de passagem (páscoa). Por isso a imagem do caminho é muito ilustrativa e pedagógica para falarmos de quaresma. Trata-se de um caminho interior, caminho de penitência, de transformação no seguimento de Cristo.

 

Assim como uma caminhada é feita de algumas paragens, para descansar, abastecer-se, esticar as pernas, a espiritualidade litúrgica, própria do tempo quaresmal, nos convida ao seguinte caminho, com suas “paragens” contemplativas:

 

- Primeiro domingo: contemplarmos a experiência do deserto, onde céu e terra estão próximos, onde Deus e o homem podem encontrar-se. Eis a pobreza do ser humano, sua condição de criatura, levado a reconhecer que tudo o que é provém de Deus. A experiência da nudez do deserto leva o ser humano a colocar sua confiança e a sua segurança em Deus. O ser humano é chamado a converter-se, a voltar-se para Deus, a colocar toda a sua segurança em Deus. Para isso, vemos a confiança humana apoiada na Palavra de Deus. De fato, é como Jesus vence as tentações e expressa sua confiança em Deus, isto é, total abandono na palavra de Deus: “Está escrito, ‘não só de pão vive o homem’... ‘não tentarás ao Senhor Teu Deus’... ‘adorarás somente ao Senhor, e somente a Ele servirá’...” – Cfr. Mt. 4;

 

- Segundo Domingo: contemplamos a experiência da montanha, isto é, do Tabor. A montanha aproxima simbolicamente a terra ao céu, o homem a Deus. Trata-se da oração, o falar com Deus, o ouvir a Deus (“...este é meu filho muito amado, escutai-o...” – Mt. 17, 5)  que consiste justamente neste encontro, nesta comunhão do ser humano com Deus;   

 

Os dois primeiros domingos, portanto, apresentam-nos o que é programa de toda a quaresma bem como a íntima relação entre a esta e a páscoa. A rejeição de todo o mal, a superação das tentações do ter, do poder e do prazer (tentações do deserto, primeiro domingo), todo exercício da penitência ou conversão e da busca de Deus só têm sentido à luz da transfiguração: iluminados por Cristo Glorioso, escutamos a sua voz (escutai-o) e atingimos a conversão. A quaresma alcança sua finalidade à luz da páscoa da ressurreição.

 

A partir do terceiro domingo a caminhada penitencial se diversifica conforme os anos da liturgia: A, B e C. Este ano estamos vivendo e celebrando o ano A. Assim, Sendo a Páscoa uma festa dos ressuscitados em Cristo pelo Batismo ou dos que vão renascer das águas, na quaresma do Ano A, a Igreja faz um retiro batismal. E, continuando nossas “paragens da caminhada”, temos o evangelho da samaritana, neste terceiro domingo; o evangelho do cego de nascença, no quarto domingo; e o evangelho da ressurreição de Lázaro, no quinto domingo. Destacamos, assim, conforme o ciclo quaresmal do ano A, os elementos que são retomados na liturgia batismal, na celebração do sábado santo: Água (“do poço da Samaritana”); Luz (a luz, a visão, que o cego de nascença passa a ter a partir do encontro com Jesus); a nova vida (ressurreição de Lázaro).

 

No tocante a este domingo, terceiro domingo da quaresma do ano A, temos o evangelho da Samaritana (Jo 4,5-42). O ambiente desse trecho do Evangelho de São João é a região do “poço de Jacó”, situado no rico vale entre os montes Ebal e Garizim, não longe da cidade samaritana de Siquém (em aramaico, Sicara –  hoje a atual Askar). Trata-se de um poço estreito, aberto na rocha calcária, e cuja profundidade ultrapassa os 30 metros. Segundo a tradição, teria sido aberto pelo patriarca Jacó… Os dados arqueológicos revelam que o “poço de Jacó” serviu os samaritanos entre o ano 1000 a.C. e o ano 500 d.C. (embora ainda hoje se possa extrair dele água). O “poço” acaba por transformar-se, na tradição judaica, num elemento mítico. Sintetiza os poços abertos pelos patriarcas e a água que Moisés fez brotar do rochedo no deserto (primeira leitura deste terceiro domingo: ); mas, sobretudo, torna-se figura da Lei (do poço da Lei brota a água viva que mata a sede de vida do Povo de Deus), que a tradição judaica considerava observada já pelos patriarcas, antes de ser dada ao Povo por Moisés.

 

No centro da cena, está o “poço de Jacob”. À volta do “poço” movimentam-se as personagens principais: Jesus e a samaritana. O que representa a mulher, a Samaritana? A mulher (aqui apresentada sem nome próprio) representa a Samaria, que procura desesperadamente a água que é capaz de matar a sua sede de vida plena. Jesus vai ao encontro da “mulher”. Haverá neste episódio uma referência ao Deus/esposo que vai ao encontro do povo/esposa infiel para lhe fazer descobrir o amor verdadeiro? Tudo indica que sim (aliás, o profeta Oseias, o grande inventor desta imagem matrimonial para representar a relação Deus/Povo, pregou aqui, na Samaria).

 

A representação do poço: o “poço” representa a Lei, o sistema religioso à volta do qual se concretizava a experiência religiosa dos samaritanos. Era nesse “poço” que os samaritanos procuravam a água da vida plena. No entanto: o “poço” da Lei correspondia à sede de vida daqueles que o procuravam? Não. Os próprios samaritanos tinham reconhecido a insuficiência do “poço” da Lei e haviam buscado a vida plena noutras propostas religiosas (por isso, Jesus faz referência aos “cinco maridos” que a mulher já teve: há aqui, provavelmente, uma alusão aos cinco deuses dos samaritanos de que se fala em 2 Re 17,29-41). Estamos, pois, diante de um quadro que representa a busca da vida plena. Onde encontrar essa vida? Na Lei? Noutros deuses? A mulher/Samaria dá conta da falência dessas “ofertas” de vida: elas podem “matar a sede” por curtos instantes; mas quem procura a resposta para a sua realização plena nessas propostas voltará a ter sede.

 

O que nos mata a sede de vida plena? É aqui que entra a novidade de Jesus. Ele senta-se “junto do poço”, como se pretendesse ocupar o seu lugar; e propõe à mulher/Samaria uma “água viva”, que matará definitivamente a sua sede de vida eterna (vers. 10-14). Jesus passa a ser o “novo poço”, onde todos os que têm sede de vida plena encontrarão resposta para a sua sede. A mulher/Samaria responde à proposta de Jesus abandonando o cântaro, o jarro que trazia para apanhar a água do poço (agora inútil), e correndo a anunciar aos habitantes da cidade o desafio que Jesus lhe faz. O texto refere, ainda, a adesão entusiástica de todos os que tomam conhecimento da proposta de Jesus e a “confissão da fé”: Jesus é reconhecido como “o salvador do mundo” – isto é, como Aquele que dá ao homem a vida plena e definitiva (vers. 28-41). O nosso texto define, portanto, a missão de Jesus: comunicar ao homem o Espírito que dá vida. O Espírito que Jesus tem para oferecer desenvolve e fecunda o coração do homem, dando-lhe a capacidade de amar sem medida. Eleva, assim, esses homens que buscam a vida plena e definitiva à categoria de Homens Novos, filhos de Deus que fazem as obras de Deus. Do dom de Jesus nasce a nova comunidade.

 

Contudo, esta vida plena já nos é ofertada no dia em que recebemos o Espírito Santo em nós, no dia do nosso batismo (o forte simbolismo do poço que é Jesus e que nos oferece a água da vida eterna – água que é o elemento visível do sacramento do batismo). É aqui que somos convidados a olhar para nossa vida cristã, concreta, e nos sentirmos questionados se estamos vivendo nosso batismo, isto é, se estamos buscando em Deus, em Jesus Cristo, saciar nossas sedes de vida plena, ou, pelo contrário, se estamos buscando isto em outros ‘deuses’.  

 

Pe. Adailton Luduvico, CSF – vigário paroquial

 

  

 

 

 

 

 



Voltar