Av. São João Nº 136
Peabiru-PR
Palavra do padre
02/03/2017

Quarta-feira de cinzas e os quarenta dias de quaresma

Quarta-feira de cinzas e os quarenta dias de quaresma

 

 

 

É quaresma, caríssimos filhos e filhas! Iniciamos ontem, quarta-feira de cinzas, nosso caminho de preparação à grande solenidade da vida cristã, a páscoa do Senhor. Mas qual o significado da quarta-feira de cinzas? E da quaresma? Qual a espiritualidade que a liturgia nos oferece para vivermos bem este tempo?

 

Antes de tudo, quaresma é um tempo litúrgico que a igreja católica apostólica romana nos proporciona para que possamos nos preparar para celebrar bem a páscoa do Senhor. Sabemos que ao longo de um ano (ano litúrgico) a igreja relembra e celebra os mistérios da vida do Senhor Jesus: Seu nascimento, no natal; o anúncio da Boa Nova, realizado por Ele e seus apóstolos, durante a vida pública do Cristo no tempo comum; Sua paixão e cruz, durante a semana santa, após o tempo quaresmal; e, finalmente, a Gloriosa Ressurreição do Senhor dentre os mortos no tempo pascal. Entretanto, seja Seu nascimento ou Sua ressurreição, para a liturgia, são tempos fortes e marcados por um período de preparação inicial: o natal antecedido pelo tempo do advento e, a páscoa antecedida pela quaresma.

 

A quarta-feira de cinzas é a celebração que marca o início da quaresma como tempo de preparação para a paixão, morte e ressurreição do Senhor Jesus e com ela já temos o tom da espiritualidade quaresmal, que é marcada pelas seguintes atitudes: penitência, conversão de vida, jejum, intensificação das orações e pratica da caridade. Durante a celebração de cinzas, logo após a reflexão ao evangelho, realiza-se o rito de imposição de cinzas sobre nossas cabeças, rito este acompanhado pelas palavras de Jesus no evangelho de Mateus 4,11: “Convertei-vos e crede no Evangelho”! A conversão é o grande pedido que a liturgia nos faz neste tempo quaresmal. A conversão consiste em crer no Evangelho. Crer é aderir a ele, viver segundo os ensinamentos do Senhor Jesus. Pode-se usar também a fórmula tradicional durante a imposição das cinzas: “Lembra-te que és pó e ao pó hás de voltar”. Numa das orações de bênção das cinzas se diz: “Reconhecendo que somos pó e que ao pó voltaremos, consigamos, pela observância da Quaresma, obter o perdão dos pecados e viver uma vida nova, à semelhança do Cristo ressuscitado”. O significado e origem das cinzas, por sua vez, lembrando que elas são preparadas pela queima de palmas usadas na procissão de Ramos do ano anterior, lembram, portanto, o Cristo vitorioso sobre a morte. A palma é símbolo de vitória e de triunfo. Assim, se os cristãos aceitam reconhecer sua condição de criaturas mortais, e transformar-se em pó, ou seja, passar pela experiência da morte, a exemplo de Cristo, pela renúncia de si mesmos, participarão também da vida que ressurge das cinzas.

 

O tempo de quaresma lembra-nos os quarenta dias de Jesus no deserto, conforme nos recordará o evangelho do 1º domingo da quaresma: “Naquele tempo, o Espírito conduziu Jesus ao deserto, para ser tentado pelo diabo. Jesus jejuou durante quarenta dias e quarenta noites, e, depois disso, teve fome...” (Mt 4, 1-11). Na cultura judaica e na história do povo de Deus o número 40 tem um significado forte: quarenta representa o tempo favorável e necessário para se preparar para lago importante; é, ainda, o tempo em que se sente e prova a presença de Deus no meio de nós e nos salva. Destaco aqui um trecho da audiência geral do nosso saudoso e querido papa emérito, Bento XVI, em 22 de fevereiro de 2012:

 

"O número quarenta aparece antes de tudo na história de Noé. Por causa do dilúvio, este homem justo transcorre quarenta dias e quarenta noites na arca, juntamente com a sua família e com os animais que Deus lhe tinha dito que levasse consigo. E espera outros quarenta dias, depois do dilúvio, antes de tocar a terra firme, salva da destruição (cf. Gn 7, 4.12; 8, 6). Depois, a próxima etapa: Moisés permanece no monte Sinai, na presença do Senhor, quarenta dias e quarenta noites, para receber a Lei. Durante todo este tempo, jejua (cf. Êx 24, 18). Quarenta são os anos de viagem do povo judeu do Egipto para a Terra prometida, tempo propício para experimentar a fidelidade de Deus. "Recorda-te de toda essa travessia de quarenta anos que o Senhor, teu Deus, te fez sofrer no deserto... As tuas vestes não envelheceram sobre ti, e os teus pés não se magoaram durante estes quarenta anos", diz Moisés no Deuteronómio, no final destes quarenta anos de migração (Dt 8, 2.4). Os anos de paz de que Israel goza sob os Juízes são quarenta (cf. Jz 3, 11.30) mas, transcorrido este tempo, começa o esquecimento dos dons de Deus e o retorno ao pecado. O profeta Elias emprega quarenta dias para chegar ao Horeb, o monte onde se encontra com Deus (cf. 1 Rs 19, 8). Quarenta são os dias durante os quais os cidadãos de Nínive fazem penitência para obter o perdão de Deus (cf. Gn 3, 4). Quarenta são também os anos dos reinos de Saul (cf. Act 13, 21), de David (cf. 2 Sm 5, 4-5) e de Salomão (cf. 1 Rs 11, 41), os três primeiros reis de Israel. Também os Salmos apresentam o significado bíblico dos quarenta anos, como por exemplo o Salmo 95, do qual ouvimos um trecho: "Se ouvísseis hoje a sua voz: "Não endureçais os vossos corações como em Meribá, como no dia de Massá no deserto, quando os vossos pais me provocaram e me puseram à prova, apesar de terem visto as minhas obras. Durante quarenta anos essa geração desgostou-me, e Eu disse: é um povo de coração obstinado, que não compreendeu os meus caminhos!"" (vv. 7c-10). No Novo Testamento Jesus, antes de começar a vida pública, retira-se no deserto por quarenta dias, sem comer nem beber (cf. Mt 4, 2): alimenta-se da Palavra de Deus, que utiliza como arma para derrotar o diabo. As tentações de Jesus evocam as que o povo judeu enfrentou no deserto, mas que não soube vencer. Quarenta são os dias durante os quais Jesus ressuscitado instrui os seus, antes de subir ao Céu e enviar o Espírito Santo (cf. Act 1, 3).

 

Com este recorrente número quarenta é descrito um contexto espiritual que permanece actual e válido, e a Igreja, precisamente mediante os dias do período quaresmal, tenciona conservar o seu valor perdurável e fazer com que a sua eficácia esteja presente. A liturgia cristã da Quaresma tem a finalidade de favorecer um caminho de renovação espiritual, à luz desta longa experiência bíblica e sobretudo para aprender a imitar Jesus, que nos quarenta dias transcorridos no deserto ensinou a vencer a tentação com a Palavra de Deus. Os quarenta anos da peregrinação de Israel no deserto apresentam atitudes e situações ambivalentes. Por um lado, eles são a estação do primeiro amor com Deus e entre Deus e o seu povo, quando Ele falava ao seu coração, indicando-lhe continuamente o caminho a percorrer. Deus tinha, por assim dizer, feito morada no meio de Israel, precedia-o dentro de uma nuvem ou de uma coluna de fogo, providenciava cada dia à sua alimentação, fazendo descer o maná e brotar a água da rocha. Portanto, os anos que Israel passou no deserto podem ser vistos como o tempo da eleição especial de Deus e da adesão a Ele por parte do povo: o tempo do primeiro amor”.  

 

Assim, percebemos que o número quarenta acompanha a história do povo de Deus em momentos marcantes desta e, sempre, está associado a um período de salvação, de aliança de Deus com seu povo: o momento após o dilúvio; a conquista da terra prometida após quarenta anos de caminhada no deserto; etc... Também para nós, a quaresma quer ser este tempo forte de sentir a presença de Deus que nos acompanha e nos conduz à salvação plena, com sua morte e ressurreição, a nova e eterna aliança de Deus com seu povo. Mas, contudo, é um tempo em que somos convidados a permanecermos fieis a Deus e vencermos as tentações, como fez Jesus diante do Demônio, ou seja, vencer as tentações com a luz da Palavra de Deus: “Mas Jesus respondeu: Está escrito: ‘Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus’” (Mt 4,4); “Jesus lhe respondeu: Também está escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus!” (Mt 4, 7); “Jesus lhe disse: Vai-te embora, Satanás, porque está escrito: ‘Adorarás ao Senhor, teu Deus, e somente a ele prestarás culto’. Então o diabo o deixou. E os anjos se aproximaram e serviram a Jesus” (Mt 4, 10).

 

Contudo, ainda, na nossa igreja do Brasil, faz parte do período quaresmal a Campanha da Fraternidade que, anualmente nos propõe um tema e um lema para nossa oração, reflexão e ação. O cunho sempre social da CF nos ajuda a olhar a realidade do nosso Brasil e agir sobre ela, no sentido de nos aproximarmos mais do tão querido Reino de Deus, onde não exista miséria, excluídos e degradação da criação feita pelas mãos onipotentes do Criador. Neste ano de 2017 o nosso tema da campanha da fraternidade é: “Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida” e, o lema: “cultivar e guardar a criação”. Com esta CF pretende-se olhar com mais atenção a realidade brasileira no que toca às questões ambientais, no eu tange à sua preservação e defesa da vida que na criação divina se manifesta.   

      

Pe Adailton Luduvico, Csf – vigário paroquial



Voltar